Mais do que um ícone do empresariado nacional e das entidades representativas das classes trabalhadoras, José Roberto Tadros tem uma enorme bagagem cultural e é um exímio orador. Difícil conversar com ele e não desejar estender os assuntos e enveredar por fatos históricos. Confira a entrevista com um rápido balanço de sua trajetória ao comandar uma entidade tão significativa para o país, o que está sendo feito e adiantar muito dos desafios para o futuro.

Confira a entrevista com José Roberto Tadros

Tudo começou quando cursava o primeiro ano de Direito, em 1967, e fui convidado para ser o primeiro vice-presidente do Sindicato do Comércio do Amazonas. Em seguida fui eleito presidente. Em 1972 fui convidado para fazer parte do conselho do Sesc. Foi quando o Dr. José Washington Coelho, que era um jurista excepcional, conseguiu com a sua destreza unificar as federações estaduais. Havia estados com até cinco federações e ele conseguiu unificar todas com o objetivo de melhorar a representatividade junto aos governadores e prefeitos. Por conseguinte, foi criado o Sincomercio a fim de dar uma base sólida ao sindicalismo no setor de comércio, estabelecendo eficácia na prática e sequência de trabalho. A partir de então a estrutura se organizou politicamente. De dezembro a fevereiro se elegem os presidentes dos sindicatos; até maio se elege os presidentes das federações e em setembro se elege o Presidente da Confederação. Em 1980 o então presidente da CNC, Jessé Pinto Freire, faleceu e assumiu o vice, Antonio Oliveira Santos, que era presidente da Fecomércio (ES). Em 1982, ele foi reeleito e me convidou para administrar o Sesc. Em 1986 eu me envolvi pessoalmente na sua reeleição e compus com ele a chapa como vice. Fomos eleitos e fizemos um belo trabalho, uma revolução nas atividades do sistema. Demos racionalidade aos processos e visão de longo prazo, com expansão do sistema, distribuição otimizada dos recursos para prover os estados com menor arrecadação com a mesma qualidade dos que arrecadavam mais. Tanto que fui nomeado pelo presidente para gerir a Amazônia toda, que compreende 11 estados da Federação. Eu sempre fui um companheiro leal e apoiei o presidente Antonio por todos os seus anos à frente da CNC. Em 2108, o presidente, aos 92 anos, desejou se retirar após um notável dever cumprido. Daí, fui surpreendido com um documento com 18 assinaturas apoiando o meu nome para sucedê-lo. Aceitei o desafio e fui eleito por unanimidade. Espero dar continuidade e fortalecer ainda mais a CNC.

Sem dúvida. A CNC tinha uma finalidade específica na magna Carta de Teresópolis, fruto da visão altaneira do presidente Vargas. Ele, D. Pedro II e Juscelino Kubitschek foram os maiores estadistas que esse país já teve. Vargas criou uma base industrial e a CLT, que deu segurança, direitos e respeito aos trabalhadores. Na Carta da Paz Social se desenhou a estrutura piramidal composta por Confederações, Federações e Sindicatos. A mesma estrutura do Estado nacional. Os presidentes de sindicatos são os prefeitos dos municípios. Os presidentes das Confederações do Comércio são os governadores dos estados e o presidente da CNC representa a figura do presidente da república. Os empregados e trabalhadores vão se entender nos fóruns e nos sindicatos. A federação representa os sindicatos e negocia as demandas e negociações das categorias com a Confederação. Não foi à toa que o Getúlio Vargas foi um dos maiores presidentes do Brasil. Ele montou todo o arcabouço dessa estrutura que, entre outras coisas excepcionais, deu origem ao Sistema S.

Esse é o ponto. Realizamos um trabalho muito importante em suprir uma lacuna que o Estado não atende como deveria. O sistema S é importante para a vida dos brasileiros. As empresas não têm como melhorar sozinhas a qualidade de vida da sua mão de obra oferecendo lazer, saúde, esporte, cultura… A sociedade brasileira também não tinha cursos profissionalizantes nem técnicos que permitissem aos trabalhadores entrarem mais capacitados no mercado de trabalho. O Senac foi responsável pela formação de milhares de trabalhadores para o setor de comércio e turismo no Brasil ao longo desses anos. O Sesc, por sua vez, cumpriu também um papel importantíssimo de caráter cultural, social e de promoção da qualidade de vida dos trabalhadores onde o estado também se fez ausente ou não fez a sua parte. Atualmente, o Sesc e o Senac atuam em todos os Estados da Federação. Na educação, há ações em recreação infantil, alfabetização de adultos, ensino médio, ensino de línguas, ensino profissionalizante, cursos específicos

de ensino superior e até de consciência ecológica. Na cultura há fomento às artes, à música, à fotografia, ao teatro, à leitura, entre muitas outras vertentes. Na assistência Social e de saúde, temos programas com idosos, de nutrição, de controle de obesidade infantil, de vacinação, de apoio à mulher na prevenção ao câncer de mama, odontológica, de práticas esportivas e até de ajuda a catástrofes, inclusive, no combate à pandemia do Coronavírus. Promovemos até o turismo social, oferecendo hospedagem, passeios e excursões. Essas e muitas outras ações que fazemos visam proporcionar uma melhor qualidade de vida para os nossos frequentadores e contribuir para o bem-estar da população brasileira.

Muito… Precisamos ocupar esse vasto território do Brasil que carece de mais polos de atratividade e qualidade de vida para sua população. Temos diversidade, cultura, um povo trabalhador maravilhoso! O Brasil tem tudo para se tornar uma potência mundial. A China é um pouco maior que o Brasil, tem um bilhão de habitantes e seus recursos estão no limite. Nós temos ainda muitas terras cultiváveis, água e energia em abundância – que na China é um recurso escasso – e temos um parque industrial excepcional. São muitas possibilidades de fomentar ainda mais empresas, indústrias, comércio, turismo e gerar empregos e renda para a população. Temos tudo para edificarmos um grande país e nos orgulharmos dele. Basta começarmos a fazer o que falta e construir nossa trajetória com consciência. Há um interesse internacional enorme para que o Brasil não se desenvolva. Por isso precisamos olhar para o futuro, valorizar o que temos de melhor e trabalhar.

Sem dúvida. A maioria dos conflitos entre o capital e o trabalho se resolve nos Sindicatos, nas Federações e nas Confederações. Coisa que muita gente não entende, mas foi uma maneira do Vargas mostrar a face social, humana, do empresariado que sempre foi estigmatizado como “explorador”. Então o trabalho da CNC também está voltado para o trabalhador e suas famílias, principalmente os menos beneficiados. O salário mínimo no Brasil não permite que o trabalhador mantenha e crie sua família com dignidade. Os empresários não conseguem pagar melhores salários por conta de uma carga tributária escorchante e uma burocracia irracional, que espreme a margem de lucro. Sufoca o empreendedorismo. Nós temos capilaridade em mais de dois mil municípios brasileiros. Onde o braço do estado não vai o sistema S está. O sistema é bem administrado e tem recursos para se manter. O Estado Nacional deveria agir dessa mesma forma e não o faz. Daí, todo o governo tem uma implicância com o sistema S. Se um dia o sistema S acabar, só aí algumas pessoas irão sentir a força, o poder e a ajuda que ele dá para minorar as injustiças sociais praticadas ao longo dos 520 anos do Brasil.

É um grande engano. O Sesc e o Senac surgiram em meados da década de 1940 e conseguiram se tornar o braço social e educacional que atinge tanto os interesses do empresariado quanto dos trabalhadores. Só que os recursos para seu funcionamento não são públicos. São privados. Os empresários contribuem com 1,5% da folha para o Sesc e 1% para o Senac, no entanto, há uma contrapartida. Os trabalhadores têm acesso à saúde, à educação, à cultura, ao lazer, ao turismo, ao esporte… A criança filha de um trabalhador pode ter a sua disposição desde a educação infantil, até um curso de línguas, profissionalizante ou superior. E ter atividades de lazer, culturais e de saúde ao seu dispor. Mas há de se destacar uma coisa muito importante. Não contribuem para o sistema todas as micro e pequenas empresas que representam 97% das empresas do Brasil. Ou seja, apenas 3% das empresas mantêm esse sistema que vai preparar mão de obra para as demais 97% das empresas brasileiras. De todo o montante arrecado, 70% é reservado para financiar a gratuidade dos serviços. Ou seja, o empresário recebe uma mão de obra qualificada ou pelo menos com um gap um pouco menor se comparada a dos países mais desenvolvidos do mundo graças a esse trabalho.

Sem dúvida! O Brasil não pode aspirar o primeiro mundismo sem a instrução, sem a qualificação de seus trabalhadores. Além do que, dos recursos que entram, 20% do arrecadado dos estados maiores são reservados para redistribuir entre os estados integrantes do Fundo de Participação de Estados e Municípios. Mesmo assim, o Sesc e o Senac fazem um aporte substancial de recursos para suportar e expandir as unidades dos estados menos favorecidos. Para fiscalizar se esses recursos estão sendo bem administrados somos auditados pelo Conselho Fiscal Regional, composto por sete membros, dos quais quatro são do governo, um da classe trabalhadora e dois da classe empresarial. Ou seja, quatro membros do Governo Federal participam das auditorias. E ainda a CGU e o TCU, pois eles também nos auditam. Acontecem desvios em todos os lugares e em todas as instâncias porque o ser humano é assim. Nós vimos presidentes da república, ministros, senadores, deputados federais… serem cassados por causa disso. Certa vez identificamos um estado suspeito de desvios e precisamos entrar na justiça com três intervenções. Isso porque o presidente em questão conseguiu duas liminares para retornar ao cargo. Mas outros foram afastados.

Em todo esse tempo exercitamos o nosso lado cristão e humano. Fomos realizando coisas que nunca serão para o nosso próprio benefício, mas em benefício dos menos afortunados da classe trabalhadora que são copartícipes do desenvolvimento do país. Eles também são copartícipes do crescimento das nossas empresas e do nosso sucesso. Há realizações da CNC e do Sistema Sesc Senac fantásticas, incríveis, que mudam a vida das pessoas e até de cidades inteiras. Mas para isso perdurar a Confederação precisa se automanter. O presidente Antonio e seus antecessores fizeram um trabalho brilhante de investimentos para perenizar a CNC em sua nobre missão de defender os interesses do setor do comércio e do turismo. Eu só tive a honra de trabalhar com dois deles: Jessé Pinto Freire e Antonio Oliveira Santos. O Dr. Antonio fez uma revolução e sinto orgulho em dar continuidade ao seu legado.

Administrar com responsabilidade, respeitabilidade e dignidade, preservando a história da entidade, com apoio da diretoria e dos nossos colaboradores. Precisamos ainda ter forças para enfrentar o fogo cerrado a que estamos permanentemente sendo vítimas e que nos impede de trabalhar em paz pelos trabalhadores. A classe trabalhadora nos apoia integralmente. Tudo já aconteceu nesses meus dois anos de mandato. Até uma pandemia que não era prevista, que está concentrando nossa atenção há meses e determinando praticamente um ano perdido. A população está refém do medo. Mesmo assim, estamos tocando todos os projetos e trabalhando em novos. Estamos modernizando tecnologicamente todo o Sistema para nos tornarmos cada vez mais eficientes. Vamos também projetar a imagem da instituição e não do presidente porque o presidente vai passar e a instituição vai ficar. O Brasil estava caminhando para um novo futuro e na hora que o povo se sentir seguro tudo vai voltar ao normal.

Sem dúvida! A CNC representa o setor de comércio e serviços que tem 73,4% de participação no PIB nacional e é responsável por mais de 48,9 milhões dos empregos no Brasil. Desses, 22,2 milhões (8,5 milhões Serviços, 13,7 milhões Comércio) são gerados nas atividades de comércio e serviços representadas pela CNC. Temos um enorme trabalho pela frente.

O jovem José Roberto Tadros no começo de sua carreira como advogado em Manaus

Tadros promoveu em julho de 2019 o encontro do vice-presidente Hamilton Mourão com correspondentes estrangeiros na sede da CNC em Brasília
Foto: Christina Bocayúva

O presidente Tadros entrega ao então Presidente, Michel Temer, o Grande Colar da Ordem Nacional do Mérito Comercial e discursa na posse dos membros da Diretoria e do Conselho Fiscal da CNC eleitos para o mandato 2018/2022